sábado, 19 de abril de 2008

Você não sai de lá sem tomar, no mínimo, um copo de suco

A correria do cotidiano, às vezes nos impede de ouvirmos encantadoras histórias de exemplo de luta e perseverança, como a de Zulmira Keffer

__ A casa é simples, mas fique à vontade.

A simplicidade que eu vi estava nas pequenas atitudes, como servir um delicioso suco de maracujá numa garrafa de refrigerante. Durante as minhas três visitas à casa de Dona Zulmira sempre fui servida com guloseimas e variados sucos. E em nenhuma das vezes, eu puder ir embora sem antes sentar-me à mesa e fazer um lanche. Quando eu dizia que já estava na hora de partir, ela me retrucava:

__ Nada minha filha, está cedo ainda. Senta aí, vamos tomar um café!

Para uma mera estudante de jornalismo, a responsabilidade de fazer uma reportagem-perfil de uma pessoa anônima tornou-se uma experiência enriquecedora. Foi no bairro Joana D’Arc que pude conhecer uma senhora tímida e ressabiada, mas, com um intenso brilho nos olhos e um jeitinho faceiro que conquista qualquer um. De origem humilde, aos 53 anos, Zulmira Conceição Keffer ainda preserva valores culturais lá do interior.

Para quem vive no corre-corre diário da rotina casa – faculdade – trabalho, poder sentar-se à companhia de uma senhora, numa varanda, para prosear é um momento fantástico e envolvente. Bate uma saudade da mãe, do pai, da avó, do avô e de todas aquelas pessoas com quem você esteve durante os tempos em que era criança e não sabia o quanto sentiria falta quando adulto. É bem verdade que, talvez, eu afirme isso para quem é do interior e que não mora há anos com os pais, como no meu caso, por exemplo.

Contudo, as conversas na varanda, na sala, no quintal ou em qualquer lugar da casa de Dona Zumira foram saboreadas por mim e inevitavelmente presenciadas por algum membro ou agregado da família, por vizinhos e por conhecidos. Cada um teve um pouco a descrever sobre a minha protagonista. Sem contar o papo com o marido dela, que se transformou em aulas de história, política e antropologia. Um senhor sério e culto, dotado de uma sutileza esplêndida.

Quando você visita uma pessoa mais de uma vez, tem uma sensação de estar mais a vontade, de sentir-se em casa. Em minhas andanças pelo bairro e durante os diálogos com meus entrevistados, percebi que todos ficavam bem mais à vontade quando eu abria mão do meu bloquinho de anotações. A partir daí, pude apreender e pude assimilar toda a ambientação de nossa prosa. Algumas frases tornaram-se corriqueiras, como: “Tá ficando famosa, hein, Dona Zulmira!”. Lembro-me de que quando conversei com ela, por telefone, sobre a possível entrevista, ela me respondeu: “Oh minha filha, veja lá o que você vai perguntar.”

Em um fim de tarde de sexta-feira, tive o privilégio de passar algumas horas acompanhada dela, do marido e do filho William, 28, o caçula. Foi durante esse papo que conheci um pouco da família Keffer. Segredos foram revelados com uma boa dose de emoção. Dona Zulmira conta que aos 13 anos veio de Colatina para morar na Capital. De origem humilde, enquanto criança trabalhou como empregada doméstica para ajudar seus pais. Aos 18 anos casou-se com Laurentino Keffer, e se passaram mais de 35 anos de convivência. Ciumenta, apesar do tempo juntos, ainda fica irritada com o temperamento calmo do marido. O amor entre os dois emana como se fosse uma recente paixão e ela diz que foi pedida em casamento pelo “Seu” Keffer quando estava de casório marcado com outra pessoa. “Eu namorava com o outro, mas vivia pensando no Laurentino”, conta, mergulhada em boas risadas, dotada de uma leve timidez, escondendo o rosto com as mãos enrugados pelo tempo. Os pombinhos moravam em Joana D’Arc. Quando casaram continuaram no mesmo bairro. Com a chegada dos três filhos, Margarete, Wellington e William, o espaço onde moravam ficou pequeno e o marido resolveu então, comprar um lugar maior. Foi aí que Keffer, num belo dia, convidou Dona Zulmira para mostrar o lote do futuro lar.

“ Meu marido comprou água, e eu pensando que era terra. Quando ele jogou aquela pedra na água e disse, “meu bem, nosso terreno é aquele lá”, eu quis matá-lo, briguei com ele e fiquei três dias sem falar com ele. Eu pensava que ia morrer e não ia conseguir aterrar aquilo tudo”, lembra.

É, Dona Zulmira não teve razão quanto ao tempo do aterro e acabou colocando a mão na massa para ajudar a terrificar o trecho até a construção de sua casa. O enchimento tem cerca de seis metros de profundidade para uma distância de quase 100 metros de soterramento. Quem passa pelo local, hoje, não imagina que aquilo era, antes, um grande manguezal. E assim, é possível observar que a história da família dessa mulher é parte integrante da construção do bairro onde residem.

2 comentários:

Edsandra Carneiro disse...

Ih, só agora me lembrei que tenho que refazer essa matéria acrescentando outras fontes e preciso contar mais sobre o bairro Joana D'arc...

Raquel Costa disse...

Olá! Me Chamo Raquel Costa, tenho 21 anos e sou do interior da Bahia. Eu estava aqui pesquisando sobre o Pr. Keffer, quando vi sua matéria. Que coincidência... Na minha adolescência eu era fã da Banda Corbã, em que o Welington era vocalista. Até hoje eu escuto o CD, está novinho... rsrs Talvez ele não lembre, mas, minha irmã era locutora em uma rádio comunitária evangélica aqui em minha cidade, e sempre passava o CD deles, ele até mandou um CD autografado pra ela. rsrs, eu tenho um também, mais não é autografado. Que bom ler sua postagem. Agradeço :D