terça-feira, 2 de março de 2010

Uma moeda em troca de uma graça


Há mais ou menos duas semanas minha mãe me pediu para mandar celebrar uma missa em ação de graça para São José e a Sagrada Família. Mas, somente hoje fui procurar uma igreja para intencionar a benção alcançada. Confesso que sou um zero a esquerda para freqüentar grupos religiosos. Entretanto, lá fui eu com uma moedinha de um real atrás de um lugar que pudesse atender os anseios da minha mãe. Lembro-me que a última vez que fui a uma missa também foi por causa de uma graça alcançada pela minha genitora.

Pois bem. Adoro visitar igrejas, contudo desde que estejam vazias e façam parte de algum trajeto turístico que eu esteja desbravando. Fora isso, que a minha mãe me perdoe, se puder, viro a esquina e vou em direção ao senhor das águas. É no mar que costumo professar a minha fé e nas areias da praia que tenho vontade de pagar minhas penitências ou clamar pela boa vontade do universo. Já faz tempo que tenho pretensão de questionar ao camarada que move todas as forças do mundo o quanto ele deve estar de saco cheio de tanto ouvir o seu nome. Para tudo o povo grita chama por ele. É Deus pra cá, é Deus pra lá... Coitado... O cara tem que atender a todos e resolver tudo. Sim, inclusive a mim, que antes de entrar na igreja, me fiz a pergunta: “Meu Deus o que eu vim fazer aqui?”

Saí de casa. Andei umas quadras. Virei duas esquinas. Subi umas escadas e adentrei em um espaço amplo e iluminado. Que coisa moderna, ar condicionado. Quando era criança e frenquentava grupo de oração, catequese e afins só haviam ventiladores que sopravam labaredas de fogo durante o período mais quente do ano. Como as coisas mudam, né!? Tempos modernos. Deparei-me com meia dúzia de velhinhas corcundas maquiadas com pó de arroz, bochechas borradas de rosa choque, vestidos coloridos, colares de pérolas e sandálias anatômicas.

Segui pelo corredor na lateral e numa porta à esquerda avistei um senhor de cabelos brancos, com a pele muito enrugada, sentado de frente para uma mesa com uma caneta e um papel na mão. “Boa tarde senhor, por favor, é aqui que peço missa?”, pergunto. Responde-me ele: “Como minha menina, você quer intencionar uma missa?”.  Não é tudo a mesma coisa, pensei eu. Ele me disse que deveria procurar uma mesinha do lado esquerdo da porta de entrada. Não havia ninguém no local indicado. Sentei no último banco e esperei. Com o molho de chave em uma mão apertava na outra a moedinha de um real. E matutava: Deus lá quer dinheiro?

Sempre me questionei sobre isso. Você já parou para pensar o mundaréu de grana que esses cidadãos ganham em nome de Deus, Jesus, Cristo ou qualquer denominação que venha ter? Poxa, exploram o cara até dizer chega e nunca vi esse camarada sair com dinheiro no bolso, que dirá na cueca. Acho uma injustiça essa história de doar dinheiro para quem já tem. Oh, não quero discutir nem criticar religião. Já sei que essa história é antiga e o tal do dízimo está prescrito na bíblia. Tudo bem. Mas, já pensou se todo mundo pegasse o percentual do dinheiro que é depositado nessas casas de orações e passassem a depositar em oportunidades de desenvolvimento para acabarmos com a desigualdade social que existe no mundo, não seria bem mais aplicável?

Já tive uns arranca rabos com os meus pais quando era adolescente porque nunca concordei com essa história de dar dinheiro para quem tem. O que fazia era desviar alguma verba para ajudar alguém a aprender a ler ou dar de comida para alguma criança ou necessitado. Não sou fã de assistencialismo, mas, professo o bem-estar e a boa vontade para o desenvolvimento pessoal e profissional de forma sustentável. Talvez por isso um dia já quisesse ser freira para ser missionária e trabalhar pelo bem mundial. Depois desisti e fui para atuar no trabalho voluntário. Não preciso me abdicar de certas coisas da carne.

Mas voltando à igreja. Enquanto esperava na última fila, avistei três imagens de santos. Gente, vou matar minha mãe de vergonha,  não reconheci nenhum. Um era um franciscano com um livro na mão. A outra era uma imagem de uma linda mulher vestida de branco com um manto azul e a terceira era uma freira com um galo ou galinha aos pés. Ao lado direito tinha um presépio montado, desses bem tradicionais com umas luzes piscando, só para alertar que é tempo de natal. Nem preciso dizer que não suporto essa data. Mas não é por causa do menino que nasce nessa época não. Pelo contrário, sou fã dele pelo que foi enquanto esteve vivo. Foi um moço de muita boa fé, pena que foi embora cedo e não pude conhecê-lo para trocar uma ideia. Adoraria conversar com ele pessoalmente, já que não suporto esses fanáticos que vivem tentando refazer o mesmo caminho que ele. Que povo sem originalidade, né?!

Enfim, não gosto de natal porque é uma data que só pensamos em comer e comprar presentes. Que tédio! Eu detesto essa coisa de amigo x, secreto, seja lá o que for. Acho uma baita de uma falsidade. E ainda sou obrigada a comprar um presente para um indivíduo que nem vou com a cara. Ah não! E, como bem escreveu a Eliane Brum, eu também tenho medo de chester, uma ave que foi feita para ser comida nessa época que dizem ser de (re) nascimento. Definitivamente, não é pra mim. É bom lembrar que já fui criança e também acreditei em papai noel, mas o meu ainda é o meu pai. E também tenho mãe, tá.

Bem, ainda esperava por alguém para ofertar a moedinha... Até que aparece uma senhora que me diz que não haveria missa e sim confissão comunitária. “Confissão o quê?”. “Minha filha, você não conhece?”. “Não.” “Fique, você vai gostar. É um momento de pura reflexão consigo mesma.” Ok, vamos ver no que isso vai dar.

Olhei adiante e vi uma cruz de madeira no alto da parede. Lá estava a imagem de um camarada muito magro, com um pedaço de pano tapando as partes íntimas e algumas marcas vermelhas representando sangue. Admirei aquela imagem e me perguntei: Será que Cristo foi esse cara de pele tão clara, traços finos e delicados e do cabelo bom? Sei lá, tenho minhas dúvidas.

Minha vontade era de ir embora, contudo a consciência pesou e tive que ficar. Mas quem disse que a minha mente ficava quieta. Não demorou muito e a igreja estava lotada e de uma hora para outra virei informante de arquidiocese. Eu devo ter cara de santa, só pode. Eu nunca vi tanta velhinha chegar para me pedir informação, como se eu fosse de casa. Mal sabem elas o que sou. Uma estranha, talvez. É bem verdade que sou uma admiradora das pessoas mais velhas. É claro que isso tem uma explicação, nada é de graça. Amo me embebedar nas experiências de vida dos mais antigos. E eles tem, é claro, todo o meu respeito. Sou uma apaixonada pela eterna sabedoria de vida. Mas daí acharem que eu tenho cara de beata, me poupem, por favor.

Tentei rezar ou orar, pra mim é tudo a mesma coisa, mas quem disse que conseguia? Fiz o sinal da cruz, saiu um pai nosso e uma ave maria, depois comecei a conversar mentalmente com o que chamamos de Deus. Pode ser uma ofensa para muitos, mas não consigo conversar com ele chamando-o de vossa alteza, excelência e todos superlativos que existem para designá-lo... Se isso for pecado, sou a maior pecadora do mundo. Todavia, se ele for o meu inconsciente, deve ser o meu melhor amigo. Falo tudo rasgado e ele deve me entender do jeito que sou. Agradeço pelo meu dia e peço o que preciso, mas também penso e exponho um trilhão de coisas que acho certo ou errado. E assim vamos conversando, é claro que falo mais que escuto. Tem dia que ele deve querer falar comigo e eu nem tchum... Faço umas besteiras, depois peço desculpas e fazemos as pazes. Ao menos eu acho... É meu inconsciente e ele não precisa de moedinha para me atender.

Enquanto conversávamos, perguntava por que eu não era igual as outras pessoas que conseguiam se concentrar para ficar em oração. Minha cabeça ficava a mil, vários pensamentos inquietantes saltitavam a todo instante. Mas será que todo mundo ali estava rezando? Vá saber. Daí, resolvi pensar pelo lado bom... Quem sabe não sentaria ao meu lado um indivíduo de boa fé que pudesse me fazer companhia por alguns meses? Mas logo vieram a mente os modelos de homens que me relacionei nos últimos meses.  

Foram três decepções. Um era um poço de ignorância e machismo ambulante. O segundo era um tapado e abstinente de vida sexual. E o terceiro era um tarado sexual que eu mal podia chegar perto para conversar. Esse tipo de cara tem que entender que mulher adora um jantar romântico fora de casa e que quando sai não quer dizer que a noite vai terminar em um motel. Nada contra sexo, mas só isso não dá. Vai me dizer que você não deseja um homem inteligente, educado, cavalheiro, bom de cama e que se souber cozinhar será muito bem vindo? Hum! Eu quero um assim. Resultado: continuo solteira enrolando outros possíveis pretendentes pelo telefone ou e-mail. Odeio homem que pega no meu pé e que mal me conhece já me pede em namoro. Eu não sou santa e nem sou essa aí que dizem que é para casar. Não sei de onde tiraram essa história. Será que é porque não sou de sair e nem de ficar com qualquer um? Esse um, já deu para perceber que não sei escolher direito. Enfim...

Pois é Deus, vamos mudar de assunto. Falar de homem não vai dar certo. Vixe, o padre já entrou. Tem uma moça cantando ao lado de um arranjo com quatro velas lilás, três estão acesas e uma apagada. Será que foi o vento que apagou? Há duas senhoras no banco da frente. Uma é filha e aparentemente tem algum distúrbio mental. Depois de um carinho na mãe, tenta soltar uma risada que logo é repreendida pela matriarca dizendo: “Oh, Jesus vai brigar”. Coitada, deixa a mulher rir. Vamos ser feliz.

O padre começa o sermão. Pergunta como estou professando a minha fé. Sinceramente, não sei. Acho que sou uma pessoa desprovida de tal virtude. E você?

Mas aqui, não tem coisa pior do que tentar ir a uma missa e não conhecer nenhum cântico. Mas o pior mesmo é ouvir aquele barulho insuportável de teclado, desse tipo frenético que virou moda nas melodias de tecnobrega. Aaahhhrrrrr... Que coisa irritante! No meu tempo, na época em que cantava com o grupo de jovens, era violão, baixo, guitarra, bateria e o teclado, também, mas com um som bem mais original. Não gostei. Sem contar com a inovação de tentar juntar esse tipo de melodia com o estilo gregoriano... Uh, como doeu o meu ouvido.

“Absolvo de todos os seus pecados...” o padre diz. O quê? Absolvida de quê? Como assim? Mas eu nem terminei de conversar com Deus e o senhor diz que eu estou absolvida. Esperaí, você nem falou comigo. Antigamente, das vezes que fui obrigada a ir me confessar, o padre olhava nos meus olhos e depois que ouvia minhas abobrinhas mandava rezar tantas ave-marias, não sei quantos pai-nossos e algumas salve-rainhas... Éh, os tempos mudaram mesmo, e olha que eu nem tenho 30 anos. Imagine quando eu chegar aos 60? Serei absolvida em qualquer site de relacionamento pela internet. Já pensou nisso? Será que Deus também vai conversar comigo pelo msn ou por e-mail? Orkut? Twitter? Mais o quê? Vamos depositar as ofertas via cartão de crédito... Ops, isso já existe.

Seja lá como for, o padre já me abençoou e disse que era para ir embora com a benção de Deus.  Fazer o quê? Tenho que ir. Mas não vou sem o meu amigo imaginário. Na mão, a moedinha de um real. Que pena, ninguém quis recebê-la. Tudo bem, é tão pouco. Mas a minha mãe disse que não precisava ser muito, o que valia era a intenção. Ah, lembrei, da vez passada levei flores para Santa Rita.

Pelo visto vou ter que procurar outro dia que tenha missa para intencionar o dinheiro. Olho no quadro de avisos e a resposta: tem missa amanhã ao meio dia. Você vai?

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